E tudo o vento levou. O F.C. Porto esqueceu-se das promessas reforçadas pelo brilharete na Supertaça Cândido de Oliveira e assinou uma exibição cinzenta, longe do admirável mundo novo anunciado por André Villas-Boas.
Distância vertiginosa entre a capacidade de motivação dos portistas, entre um duelo clássico frente ao Benfica e uma visita pachorrenta à Figueira da Foz, onde mora uma Naval 1º de Maio sem largo historial de resistência.
Há uma semana, o F.C. Porto estava por baixo, jogava-se um título e a opinião pública inclinava-se para o lado encarnado. Villas-Boas espicaçou os seus jogadores com capas de jornais e anúncios de derrota categórica. A fórmula resultou.
Lógica invertida na Figueira
Com a Supertaça no bolso e a confiança em alta, os dragões chegaram à Figueira da Foz com a lógica invertida. Adormecidos, por vezes sobranceiros, caíram na pasmaceira e deixaram o adversário desenhar venenosos contra-ataques.
Bendita falta de recursos. Quando escasseiam os milhões, olha-se para o produto nacional e encontram-se talentos consideráveis. João Pedro, vindo da Oliveira, e Hugo Machado, outrora perdido no Azerbaijão, são bem-vindos ao escalão principal.
A Naval provocou alguns sobressaltos mas Helton, melhor que nunca, respondeu sem hesitações. Ao minuto 23, João Pedro caiu na área em lance com Alvaro Pereira. Protestos intensos, permanecendo a dúvida sobre o responsável pelo contacto entre os jogadores. Paulo Baptista mandou seguir.
O mesmo João Pedro, aliás, obrigou Helton a defesa providencial, após corte falhado do seu opositor uruguaio. O F.C. Porto jogava contra o vento, algo que tentara evitar na moeda ao ar, e ressentia-se.
O losango e o erro
Entre alguns bocejos, chegou o intervalo e a esperança de maior animação na etapa complementar. André Villas-Boas recuperou o losango que sustentou o F.C. Porto a partir de Março, lançando Guarín para o lugar do desgastado Varela. Hulk conquistou liberdade total e pegou na equipa em ombros. Tudo girava em torno do talento indomável do brasileiro.
Ao minuto 51, equipararam-se as queixas, com burburinho azul e branco após fora-de-jogo mal tirado a Sapunaru. Crescia o Dragão, empurrado pelo vento que corria de feição e a noite fria que aconselhava correrias mais regulares.
Belluschi obrigou Salin a defesa apertada e, logo depois, Hulk tabelou com Guarín para desperdiçar uma oportunidade soberana. Na cara do guarda-redes adversário, em esforço, o «incrível» picou a bola com o pé direito, o mais fraco, ligeiramente para fora.
A Naval parecia andar à deriva. Do nada, o fresco Camora vislumbrou uma linha de passe soberba, permitindo a Previtali ficar com uma via aberta para a baliza do F.C. Porto. O avançado local esperou, esperou e depois, esperou mais um pouco. Tanto que Alvaro Pereira, num instante decisivo, veio de carinho para manter o nulo.
Entre o sucesso e o fracasso
A história é rica em relatos do género. Pequenos detalhes que desenham a grande fronteira entre o sucesso e o fracasso.
Enquanto Hulk ensaiava bombas sem nexo, a Naval desperdiçava um golo e entregava os pontos logo depois. Um erro involuntário, claro está, mas imensamente infantil.
Ukra preparava-se para entrar, Villas-Boas ia queimar o último cartucho mas Jonathas mudou o guião. Guarín dominou a bola na área da Naval e o defesa brasileiro, por instinto, acabou por desviar com o braço.
Hulk agradeceu e fuzilou Salin. Tudo resolvido. De forma justa, pela supremacia azul na segunda parte. Nota final para a cena de Sapunaru, a contorcer-se de dores no chão, antes de uma recuperação milagrosa para anular um lance de perigo. Desnecessário.
VICE-CAMPEÕES ENTRAM A GANHAR
SP Braga 3-1 Portimonense
O primeiro passo rumo a mais uma época de sonho já está dado. Entrou bem o Braga no novo campeonato, tendo mostrado, acima de tudo, uma louvável capacidade para reagir ao susto provocado por um Portimonense atrevido e que só deitou a toalha ao chão depois do golo de Salino, marcado a mais ou menos dez minutos do final do jogo.
Diante de um estreante na Liga principal, não foi precisa meia hora para o vice-campeão nacional encontrar o caminho certo para chegar com êxito à baliza defendida por Pedro Silva. Depois de ter pressionado e criado algumas situações de perigo, atingiu o objectivo de ficar em vantagem: livre da direita de Alan, e Matheus, de cabeça, aproveitou a passividade da defesa algarvia.
A jogar em 4x1x3x2, o Braga, estranhamente, desacelerou e ficou intranquilo, permitindo o avanço do Portimonense, que esteve perto de empatar, especialmente num lance concluído por Jumisse a cinco minutos do intervalo. A equipa minhota salvou-se de uma surpresa devido à capacidade do estreante Felipe.
Seria algo contra a corrente do jogo - o Portimonense chegou a ter o domínio do jogo, trocando a bola no meio-campo contrário com inesperada facilidade - que o Braga, no último lance da primeira parte, ampliaria a vantagem no marcador com um grande golo de Paulo César. A estratégia de contenção de Litos - um 4x3x3 com a particularidade de ter dois médios recuados - ficava assim desfeita na última curva do percurso inicial.
Certamente descontente com a dinâmica ofensiva da sua equipa, o treinador que está de regresso ao mais alto nível depois de ter orientado o Estoril na Liga principal tirou Pedro Moreira ao intervalo fazendo entrar Peña, médio venezuelano emprestado precisamente pelo Braga. A ideia de dar mais criatividade ao meio-campo e ao ataque acabou por surtir o desejado efeito ainda nos primeiros dez minutos da segunda parte, com Elias a dar o melhor seguimento a um livre apontado por Ricardo Pessoa.
O Braga sentiu algumas dificuldades na reacção ao golo sofrido. Pouco depois do 2-1, Domingos Paciência apostou em Luis Aguiar, que entrou com uma enorme vontade de fazer a diferença. Pertenceriam, no entanto, ao Portimonense as melhores oportunidades, com especial destaque para um falhanço incrível de Pires, que sensivelmente a meio da segunda parte não foi capaz de completar um bom cruzamento de Ivanildo.
Com a sempre necessária eficácia e frieza, o Braga voltaria a contrariar a tendência do jogo, com Salino - jogador brasileiro que confirmou o que de muito bom tinha feito ao serviço do Nacional - a aproveitar uma assistência de Alan fazendo a bola entrar na baliza do desprotegido Pedro Silva.
Até ao final do jogo, o Portimonense não mais foi capaz de criar situações de perigo para a defesa bracarense. Foi, como era de esperar, o Braga a protagonizar bons momentos de futebol, para contentamento dos muitos espectadores que acorreram ao Estádio AXA para assistir ao primeiro jogo do campeonato.
Do que deu para ver no jogo inaugural desta Liga, o Braga tem condições para sonhar com mais um campeonato de luxo: jogou futebol de qualidade em muitos momentos do encontro, soube reagir ao susto provocado pela equipa algarvia e também demonstrou ter soluções mais do que suficientes para colmatar eventuais ausências. Basta ter em conta o facto de, por exemplo, Luis Aguiar ter sido o primeiro trunfo de Domingos e de um ponta-de-lança com a qualidade de Meyong nem sequer ter saído do banco. E pelo que também se viu ontem, o Portimonense tem razões mais do que suficientes para encarar com optimismo o regresso, 20 anos depois, ao escalão principal
Fonte: O Jogo